Como eu era ingênua.
Eu não entendia, como uma cesárea podia ser mais lucrativa que um parto normal, para um hospital.
Eu que fui executiva da indústria sempre dizia: Poxa, se eles diminuirem as cesáreas vão ter menos custos e portanto maiores lucros. Eles deviam ser os primeiros a desejar mais partos que cesáreas”. Afinal é assim que funciona na indústria. Você reduz custos de produção e aumenta o lucro. E o nascimento no Brasil se tornou uma indústria. Então essa conta não fechava na minha cabeça.
Ontem participei da reunião do Conselho Municipal de Saúde da minha cidade. E aí algumas fichas começaram a cair. Moro em Campinas, a maior cidade do interior de São Paulo em numero de habitantes e a 2a maior se olharmos o PIB, perdendo (na verdade quase empatando) com Guarulhos. E descobri que Campinas não tem NENHUMA maternidade pública. Todas as maternidades que atendem SUS são “conveniadas” com a prefeitura. Ou seja, a prefeitura PAGA os custos que a maternidade tem com os partos ou cesáreas. Isso pode ser um dos fatos que explica porque Campinas fechou 2013 com 66% de cesáreas (14% a mais do que a média nacional) e apresenta no 1o semestre de 2014 vergonhosos 71% de cesáreas.
Se a prefeitura paga pelo procedimento e todos os custos envolvidos neste procedimento, uma cesárea acaba saindo mais lucrativo para um hospital do que um parto normal.
Dificil de entender ainda, já que aprendi a vida inteira que “quanto menor o custo, maior o lucro”.
Foi quando cheguei em casa, após a reunião, e me deparei com a notícia que um grande hospital de SP vai fechar a área de maternidade após 35 anos de atendimento. Detalhe: esse hospital tem índices superiores a 90% de cesáreas. E foi então, que a declaração de um dos administradores do hospital (ele é médico! isso que mais me choca!!) caiu com uma bomba, e clareou TUDO o que eu ainda tinha dificuldade de entender.
Nesse trecho ficou MAIS do que claro porque a assistência obstétrica está do jeito que está. Entendedores, entenderão. Ta ai porque médicos humanizados são perseguidos. Tai pq tantos BBS ficam desnecessariamente em UTIs. Tai porque querem nos entupir de anestesia, ocitocina, antibiótico e remédios.
E aí fiquei a noite inteira pensando, e a idéia que eu tinha antes, de que o cancer da saúde no Brasil é a saúde suplementar, fez ainda mais sentido.
A partir da hora que privatizamos a saúde, perdemos todo o controle do que está acontecendo tanto na gestão pública do dinheiro que é pago às maternidades conveniadas com as prefeituras ou com os próprios planos de saúde, quanto no controle do que está acontecendo dentro desta maternidade em termos de boa prática obstétrica.
O secretário de saúde ontem, na reunião do conselho, não sabia dizer qual a situação atual do atendimento obstétrico dentro da UNICAMP, uma das 3 maternidades em Campinas que atendem as gestantes pelo SUS. A justificativa foi: “não tenho acesso a esses dados”.
A partir da hora que privatizamos a saúde, vendemos nossa saúde. Vendemos a preço de banana. E quem sofre as consequências somos nós mesmos.
Nossa luta é muito, muito maior do que parece. Nossa luta não é contra as mulheres que querem cesárea. Nossa luta não é apenas por partos dignos. Nossa luta não é apenas pelo fim da violência e pela humanização. Nós temos que lutar para que a saúde volte a ser pública, de todos, para todos.
Desculpem se o texto está sem nexo, mas eu precisava colocar as idéias que borbulharam em minha mente a noite inteira, antes que eu as perdesse. E eu ainda estou atordoada. Logo volto para reorganizá-las. E vocês? O que dizem? Como podemos mudar esse cenário? Qual o caminho de volta? Há caminho de volta?