Puerpério

Permita-se! Puerpério, o luto.

Por 24 de outubro de 2013março 9th, 20215 Comentários

– Clique da  Kelly Stein, Sophia com 7 dias de vida – 

Venho aqui falar pra você, que assim como eu, está com o choro entalado na garganta.

O choro que ninguém, ninguém mesmo vai entender.

Venho aqui te convidar a contar sua história, essa aí, que está aí na sua memória por mais tempo que tenha passado e que te machuca e te faz sentir o peito apertar e o ar faltar.

A história que você não sabe se poderia ter tido um final diferente se você tivesse feito outras escolhas.

Venho aqui te convidar a viver o luto pelo que não aconteceu, pelo que aconteceu. Viver o luto desse sentimento que nem você mesma entende o porquê te sufoca tanto.

Permita-se chorar. Permita-se viver o luto. Não é só a morte física que dói, que traz saudades. A morte de um ideal, de um sonho, de um relacionamento. De um bebê que não vingou, ou que ao invés de estar nos seus braços está na UTI. De um parto que não pariu, de uma amamentação que não aleitou. Dói  ainda mais, porque continuamos a viver aqui, de pé e a vida continua como que ignorando a nossa dor. E todos à nossa volta ignoram essa dor.

Permita-se chorar pela sua própria  morte. Estou falando do puerpério. Esse país de língua desconhecida, paisagens bucólicas e melodia forte. Sim, você morreu. E renasceu como uma outra mulher. Mãe. Morreu e nasceu como mãe de dois, de três, de quatro ou mais? Não importa. A morte aconteceu. E quem está ao seu redor não consegue perceber que você morreu.

Permita-se chorar. E falar sobre os sentimentos emaranhados. Procure a pontinha desse nó de sentimentos e delicadamente puxe. Devagar. Olhe. Olhe para si. No espelho. E procure aquela mulher que você era antes de sua própria morte. E despeça-se dela. Conecte-se com a mulher que você é agora. Acolha-se.

Sim, antes de sua morte você era uma mulher forte. Mas essa mulher morreu e ninguém consegue entender a fragilidade que nasceu com essa nova mulher. Fragilidade que vai perpetuar por algum tempo. E que precisa de cuidado. Quanto tempo? O necessário para essa fragilidade ser notada, cuidada e acolhida.

Permita-se chorar. Permita-se mostrar seu novo eu. Permita-se. Esqueça a mulher forte e empoderada e entregue-se a esse luto. Do que você não viveu.

Permita-se contar sobre o seu luto. Sem medo de ser julgada. Sem medo de ser incompreendida. Sim, não seremos compreendidas, mas isso não importa. Permita-se fortalecer a partir do choro e do grito. Da lágrima. Da palavra. Da reconstrução.

Permita-se.

Agradecimento especial ao Prof.Alexandre Coimbra do Amaral, que palestrou lindamente sobre o puerpério no Encontro de Parto da Ufscar no mês passado e que me fez entender o meu luto.

5 Comentários

  • Cintia disse:

    Que texto mais acolhedor, Gi!
    Lindo lindo lindo….
    Só tenho a agradecer 🙂

  • Maira disse:

    Chegou até dar um nó na garganta. Meu luto é o luto de ter perdido meu Gabriel as 27 semanas de gestação. De não ter vivido tudo aquilo que planejei para nós, o que nem sequer chegamos a viver. Mas, acho que não é pior porquê tive um parto normal, sem muitas intervenções, fui muito bem tratada e cuidada, tive todo o apoio necessário e acho que ter sido cuidada assim, foi o que me fez ver, que tive a experiência mais transformadora da minha vida, afinal, por causa disso, eu sou outra pessoa, morri também e renasci como uma mulher mais forte, mais decidida, mais firme, posso dizer que mais empoderada também. Ter tido essa experiência, não mudou meu pensamento em relação a um parto normal, natural, muito pelo contrário, acho que só aumentou ainda mais meu desejo e necessidade de ter essa experiência, afinal sou mulher, nasci pra isso, parir, ser mãe e acho que depois que isso acontecer, terei certeza que meu propósito nessa vida estará cumprido.

  • Janaina Martins disse:

    Meu luto vivi durante a minha gestação, penso que o anuncio do médico na minha primeira consulta, alegre e empolgada que estava, de que nao havia batimentos e que era necessario esperar mais quinze dias para saber se tinha mesmo um bebê dentro de mim ativou o modo morte e depois de me assegurar por batimentos, ultrassons, mexidas, crescimento da barriga, vivi o meu luto de mim mesma pelos sete meses que se seguiram, para no fim, me livrar dos choros, da revolta e da frustração de deixar de ser eu, para ser eu versão plus, eu mais forte, eu mais segura, eu mais insegura, eu mais humana com mais defeitos, eu mais eu, um eu diferente mas ainda assim eu, com menos tempo pra mim mas ainda assim eu. No final meu luto durante a gestação da vida permitiu que recebesse minha pequena vida Clarice de maneira mais serena, sem depressão ou ansiedade ou medo, aceitando e vivendo dia apos dia sem me questionar muito ou querer o que eu perdi, mas aproveitando o que eu ganhei: eu + Clarice + um outro marido que também nasceu neste processo. Viva o luto!

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