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Doulas: um recurso com eficácia comprovada por evidências científicas

Por 11 de fevereiro de 20132 Comentários

O texto sobre as “Doulas como Testemunha” de Mariana de Mesquita, publicado na Folha de São Paulo na segunda-feira dia 04 de fevereiro, gerou certa polêmica entre os leitores. E notamos que muitos desses leitores, não conhecem as evidências científicas que comprovam a eficácia da doula como recurso de apoio emocional, físico e afetivo durante o trabalho de parto.
Devido ao texto publicado no Painel do Leitor da folha por um MÉDICO anestesista, que demonstrou grande desconhecimento sobre o papel da doula, e principalmente, sobre as evidências científicas que respaldam o trabalho dessas profissionais, a obstetra Carla Polido vem informar a todos, e principalmente ao dr Marcelo sobre as evidências científicas que reforçam a eficácia do trabalho das Doulas com mulheres em trabalho de parto.
Por Carla Andreucci Polido, obstetra, professora assistente do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos, mestre em tocoginecologia e doutoranda em Ciências da Saúde na Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.

Prezado ao Dr. Marcelo Luis Abramides Torres,

Muitointeressante  seu texto à Folha, de 08/02/2013, sobre a manifestação a favor das doulas. Gostaria de comentá-lo.

O senhor afirmou: “… a medicina evolui bastante e a analgesia que usamos atualmente mantém a consciência, a capacidade de fazer força e até se locomover durante o parto.”. O senhor obviamente conhece as metanálises da Biblioteca Cochrane sobre analgesia de parto, e portanto sabe que o uso da analgesia farmacológica está associada a maior tempo de expulsivo (em cerca de 1 hora), maior risco de distócias de rotação e progressão, maior taxa de parto instrumental (fórcipe e vácuo) e de parto operatório. Por causa da necessidade maior de intervenções e do “sorinho” (o senhor deve ter se esquecido, quando disse que não sabe a que soro as ativistas do parto de referem, mas vou lembrá-lo: é a ocitocina, necessária inclusive quando a analgesia farmacológica é bem feita), a OMS e o Ministério da Saúde do Brasil, usando referências de nível de evidência Ia e grau de recomendação A, recomendam que os recursos não farmacológicos para alívio da dor do parto sejam esgotados antes da oferta dos métodos farmacológicos.
O senhor é anestesiologista, não obstetra, então talvez o senhor não saiba que o apoio contínuo intraparto é um recurso não medicamentoso para controle da dor do parto, e é capaz de reduzir em cerca de 17% a necessidade de qualquer tipo de analgesia, em 31% a necessidade de ocitocina, em 28% a necessidade de cesariana, em 30% o Apgar< 7 no 5º minuto de vida do recém-nascido, entre outros desfechos. E a observação interessante é que esses resultados foram melhor obtidos quando o apoio contínuo era oferecido por uma pessoa que não fizesse parte do staff institucional, nem do núcleo familiar da parturiente. O senhor talvez não saiba, mas essa pessoa é a doula. E estamos falando de resultados dametanálise de 21 ensaios clínicos randomisados, incluindo mais de 15.000 mulheres (Hodnett ED, Gates S, Hofmeyr GJ, Sakala C, Weston J. Continuoussupport for womenduringchildbirth, Cochrane Review, 2011).

Em outro trecho, o senhor afirma: “Dizer que uma parturiente sob analgesia de parto e cuidados médicos está “presa a cama, dopada e incapacitada” –como diz o artigo  Das Doulas como Testemunhas”, de Mariana de Mesquita) é um desconhecimento completo do que é feito em bons hospitais em nosso país.” Desculpe, mas aí quem demonstra desconhecimento completo é o senhor. Na esmagadora maioria dos hospitais brasileiros, apesar de todas as evidências a favor da livre deambulação durante as fases de dilatação e expulsão, mulheres ainda são levadas a parir em posição ginecológica, com as pernas amarradas aos estribos. Aliá, quais seriam os “bons hospitais” do país? Se o senhor está se referindo aos hospitais privados, está falando de quase 90% de cesarianas, como já mostrou o DATASUS. Nestecaso mulheres estão mesmo deitadas, dopadas e incapacitadas.

Outro destaque em seu texto:” Em ocasiões em que um feto passa a dar sinais de que o parto está impondo a ele algum grau de sofrimento (existem monitores que nos informam que a oxigenação está sendo prejudicada), elas [as doulas] com frequência discutem com a mãe e sugerem que devem esperar mais um pouco a evolução do parto normal para evitarem uma cesariana.”. De novo, eu entendo. O senhor não conhece a recomendação de não se realizar monitorização eletrônica fetal de rotina em mulheres de baixo risco, uma vez que não é obstetra. A ausculta intermitente, com sonar doppler, em intervalos rígidos e pré-estabelecidos, mostrou-se melhor tanto para a dilatação quanto para o expulsivo, garantindo os mesmos resultados perinatais de vitalidade, e com redução da taxa de parto instrumental e cesariana (12 ensaios clínicos controlados, 37.000 mulheres, em Alfirevic Z, Devane D, GyteGMl. Continuous cardiotocography (CTG) as a form of electronic fetal monitoring (EFM) for fetal assessment during labour. Cochrane Review, 2008).

Sem dúvida, se há uma ausculta fetal não tranquilizadora, e na sequência uma monitorização demonstra um padrão preocupante de traçado de frequência cardíaca fetal, a decisão pela via de parto mais rápida é médica. Nesse caso, se houver qualquer interferência na conduta técnica do médico, realizada pela doula ou por qualquer outro acompanhante, eu sugiro que o senhor reporte o fato e tome as devidas providências pontuais cabíveis. De minha longa experiência atendendo partos nesse modelo, lhe digo que nunca presenciei essa situação, mas concordo veementemente que isso prejudicaria a assistência. Só que não cabem generalizações. Dizer que todas as doulas estão proibidas na sala de parto porque eventualmente podem interferir com condutas técnicas que não lhes cabem seria o mesmo que dizer que todos os anestesiologistas são incapazes de realizar bloqueios regionais de qualidade para analgesia de parto. O senhor diz (e eu acredito) que suas analgesias de parto conferem mobilidade às parturientese mantêm as necessárias sensações de puxo, mas minha experiência com o procedimento não é tão feliz. Porém eu nunca seria leviana a ponto de dizer que toda analgesia de parto é deletéria ou ineficaz, tal afirmação seria de uma injustiça incomensurável.

Com relação à piada bem humorada que o senhor fez ao final de seu texto, “Entretanto, se fizermos um exercício de futurologia, haverá um momento onde não existirão nem mais partos vaginais ou sob operação cesariana. Nosso tataranetos virão ao mundo num processo de fertilização “in vitro” e desenvolvimento da “gestação” em grandes laboratórios, fora do ventre materno. Isso será possível ainda nesse século. Provavelmente, nessa época deverá haver movimentos a favor da gestação no útero!”, devo confessar que a achei um pouco de mau gosto…como pesquisadora, lhe afirmo que essa linha de pesquisa experimental (gestação extra-útero) busca solução para situações em que a gestação fisiológica não seja possível, e não como idealização de um modelo futuro. Mas eu me permiti sorrir de sua brincadeira.

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