Por Gisele Leal
Parto humanizado? E por acaso parto em humano é o que? – Por acaso estamos falando em parto de éguas ou cadelas? Somos humanos oras, então todos os partos são humanizados!
Cansei de ouvir esses questionamentos, afirmações e resistentes argumentos quando participo de palestras e rodas de conversa sobre a humanização do parto.
Mas a humanização do parto e nascimento é apenas a ponta do ice-berg.
Quando falamos em assistência humanizada falamos em dar informações CORRETAS (baseadas em evidências científicas) para uma mulher sobre todo o processo de gestar, parir, amamentar e cuidar do seu bebê para que ela se empodere e tome as suas PRÓPRIAS DECISÕES.
É incrível como a maioria dos consumidores pesquisam, se informam, buscam referências e opiniões quando vão adquirir um carro ou um eletrodoméstico novo. Qual a melhor marca? Tem assistência técnica? Entram em comunidades virtuais para ver a opinião de quem já adquiriu o produto ou serviço que está buscando. Muitas vezes são semanas, meses de pesquisa antes de decidir por qual modelo comprar. Mas quando o assunto é gestação e parto, simplesmente entregam seus corpos na mão do profissional do convênio que as vai assistir, e não pesquisam, não perguntam, não se informam sobre os procedimentos aos quais serão submetidas. Simplesmente acreditam que aquele profissional sabe o que está fazendo e que se ele disse que tem que ser assim, é porque tem que ser. Afinal ele estudou para isso. O mesmo acontece com a assistência do pediatra ao recém-nascido, o mesmo acontece em todas as áreas da saúde. Já falamos um pouco sobre isso no post do Dia do Médico que fala sobre modelo hegemônico que prevalece na assistência à saúde no Brasil.
Submissas, mergulhadas no mundo tecnocrático e biomédico, adotam uma postura passiva, de entrega e de submissão dos seus corpos e de todo o seu ciclo reprodutivo. Não se informam. Passam nove meses mergulhadas em sua rotina alucinante de trabalho, trabalho, trabalho, compras, compras, compras. O máximo que conseguem se dedicar à gestação é parar para montar enxovalzinho e o quartinho do bebê. Na reta final, pesquisam qual o melhor carrinho, banheira e bebê conforto. E assim, dia a dia, mês a mês, são engolidas pela matrix obstétrica – esse é o jogo. Mulheres alienadas a todo o processo, para que o profissional que irá “fazer o parto” possa decidir por ela e pelo companheiro sobre todos os procedimentos (muitas vezes desnecessários) aos quais ela e seu bebê serão submetidos.
Outras vezes o profissional a faz acreditar que está dando à ela opção de escolha. Mas ao invés de dar a informação e de ajuda-la no empoderamento, a faz acreditar que ela é corajosa por optar desta ou daquela forma. Envia mensagens subliminares que a faz optar pelo que o profissional quer. Mas foi “ela” que quis assim.
O que tem por abaixo da ponta do iceberg?
Uma mulher informada, decide conscientemente e sente-se livre para exercer os seus diversos papéis livre da culpa e do medo que tanto tentam nos impor a todo o momento.
Não sinta-se julgada! Eu fui engolida pelo sistema. Também estive alienada. Entreguei minha vida, meu corpo, toda a minha liberdade de escolha e de decisão na mão de outras pessoas também. Por duas vezes fui amarrada e anestesiada para receber meus filhos, acreditando que estava salvando a vida deles.
Mas é possível sair desse transe. É possível sair desse sistema corrompido e sexista. Como? Com informação.
Uma mulher bem informada, empodera-se e sente-se segura e capaz de tomar decisões com relação à própria vida. Não delega o seu corpo, sua gestação e seu parto para outra pessoa.
Uma legião de mulheres bem informadas é que vai quebrar essa hegemonia no atual modelo de assistência obstétrica no Brasil. Essa hegemonia existe porque é interessante para os que detém o poder que a mulher acredite na sua INcapacidade de lidar com seus próprios ciclos vitais.
A mensagem que desejam passar é que se são incapaz de lidar com os próprios processos, serão incapazes de realizar e dominar aquilo que (acredita-se) está sob o domínio masculino. Então passa-se a anestesiar o corpo, para que este seja estável e insensível aos processos.
A adolescente começa a tomar hormônios para regular os seus ciclos. A mulher adulta toma hormônios para não mais menstruar. É deitada, anestesiada, tem um campo tapando toda sua visão e tem os braços amarrados. Quem recebe seu filho é o pediatra e não ela. Na menopausa faz reposição hormonal para não sentir os efeitos da “falta de hormonios”.
Não nos permitem mais, viver cada etapa de todo o nosso ciclo vital.
Pobre sociedade machista, arrogante, prepotente e medrosa que tenta a todo custo manter as mulheres sob domínio. No fundo, todos sabem que o dia que nós mulheres nos libertarmos de todas essas amarras, seremos tão poderosas, que dominaremos o mundo.
Por isso que eu digo. Humanizar o parto e nascimento é só a ponta do iceberg.
Reblogged this on Movimento de Apoio a Humanização do Parto Sorocabae comentado:
Porque lutamos tanto pela humanização do parto e nascimento?
Vale a pena a reflexão!