Uma amiga de infância que mora, atualmente, na Carolina do Norte/EUA me escreveu perguntando porque no Brasil a taxa de nascimentos via cesárea é tão absurda. Me contou que esse questionamento surgiu de uma conversa com uma Enfermeira Obstetra responsável por treinar Doulas num hospital universitário local. Essa enfermeira obstetra também coordena um grupo de doulas voluntárias pois o objetivo é que nenhuma mulher fique sem uma doula, por nenhum motivo. E a conversa acabou nessa pergunta quando minha amiga contou que era brasileira.
A resposta não é tão simples. Se fosse, a solução talvez fosse menos complexa também. Não existe um fator único responsável pela epidemia de cesáreas no Brasil. E por isso mesmo, não será apenas uma ação que irá resolver esse problema de saúde pública.
Mas podemos pontuar alguns fatores que parecem contribuir para essa epidemia:
1) a maior parte das cesáeras no Brasil estão no sistema suplementar de saúde. Existe uma cultura do médico que atende o pré-natal ser o mesmo médico que “faz o parto”. E isso acaba sendo logisticamente inviável – atender partos de todas as gestantes que eles acompanham o pré-natal. Logo, a cesárea agendada resolve este problema. Esse ano saiu uma resolução da ANSS – Agencia Nacional de Saúde Suplementar (resolução normativa 368) que instituiu, entre outras coisas, que os obstetras não devem realizar cesáreas eletivas, salvo se houver um consentimento livre e informado assinado pela mulher. Mas isoladamente essa resolução não vai surtir o efeito desejado. Porque não é só esse o problema. Ele é um dos problemas.
2) grande parte das cesáeras do SUS acontecem por iatropatogenia – falha de indução, exames com resultados duvidosos e falta/falha de informação às gestante durante o pre-natal pelos profissionais que as atendem.
3) Além disso a assistencia ao PN no Brasil é tão medicalizada e tão intervencionsita que as mulheres acabam concordando com o médico quando ele diz que a cesárea é uma boa opção.
4) Quando o parto saiu das casas e passou a acontecer no hospital, nós deixamos de vivenciar o parto como um evento bio-psico-socio-familiar e o parto se tornou um tabu. A dor se tornou “a dor da morte”. Tudo se tornou um mistério, que apenas quem está no hospital conhece (sic). Não sabemos mais como é um parto.
5) Mas, principalmente, o grande problema está no modelo de assistência. Obstetras são cirurgiões por formação. A maioria esmagadora diz não ter assistido nenhum parto fisiológico na faculdade/residência. Mas saem especialistas em cesárea. O que não seria um problema se eles fossem escalados para atender um parto quando realmente precisa de uma intervenção. A assistência que deveria ser multiprofissional, fica na mão de um cirurgião, do médico tem o poder de intervir. Eles são formados para isso. Por outro lado, a maioria das gestantes não vão precisar de uma intervenção ou de uma assistencia medicalizada /cirúrgica. Então, se a assistencia ao parto às mulheres de risco habitual fosse centrada nas parteiras ou midwifes (que tem menos poder de intervir e tem um olhar mais voltado para o fisiológico) como acontece nos países que tem excelentes indicadores obstétricos, e os médicos fossem responsáveis pela assistência de alto risco e pelas intercorrências intra-parto, aí sim, teríamos um índice de cesáreas próximo ao que a OMS recomenda e teríamos uma assistência ao parto mais fisiológica, segura e não uma assistência medicalizada e iatropatogencia.
Mesmo assim, essa resposta é muito, muito, muito simplória. O modelo é bem mais complexo.
E você? Porque acha que o Brasil tem um indice tão alto de nascimentos via cesárea?
Pode acrescentar a violência obstétrica. É tão prevalente e tão naturalizada, que as mulheres não sabem mais o que é o processo de parto e o que é VO;
A crença no parto como um evento altamente inseguro, perigoso, onde tudo pode dar errado. Já a cesariana é rápida, segura, indolor, “recatada”, moderna. “Pra que arriscar? Pra que sofrer à toa? Todos os ***tipos de parto*** são iguais. “
Texto foda, estava sentindo falta de te ler Gisele, sempre um banquete!
Achei que faltou mencionar o fator cultural, da cirurgia ter se popularizado ha 50 anos de tal forma que as mulheres deixaram de acreditar/conhecer o próprio corpo, mães, filhas e avós, são 3 gerações de mulheres que se criaram acreditando que não lhes cabe parir.
E na equipe multidisciplinar, não pode-se esquecer da doula! O acompanhamento contínuo comprovadamente influencia na diminuição do número de cesáreas desnecessárias.
A falta de respeito à leis, como a do acompanhante, também acredito que mina demais… passar horas em trabalho de parto em ambiente hostil e sem ninguém próximo afetivamente próximo para amparar, torna tudo muito mais difícil.