O tema da violência contra a mulher está em pauta na mídia e nos noticiários diariamente. E hoje, em especial, vem à tona, pois comemoramos o Dia Internacional da Mulher.
Mas….. nós temos mesmo o que comemorar?
A Lei Maria da Penha, n. 11.340/06, trouxe um aumento no rigor das punições nos casos de agressão contra a mulher, no âmbito doméstico ou familiar. Esta lei alterou o Código Penal Brasileiro e possibilitou que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. Aumentou, ainda, o tempo máximo de detenção de 01 para 03 anos e possibilitou o afastamento do agressor da residência.
Inegavelmente, A Lei Maria da Penha foi um passo importante para enfrentar violência contra mulheres.
Porém, analisemos a violência contra a mulher sob outra perspectiva.
O tratamento obstétrico, seja durante o prénatal, seja durante o trabalho de parto e pósparto, que é dado às mulheres – hoje em dia – é digno, respeitoso e humano?
Vejamos:
No pré-natal:
A gestante é tratada como um objeto de estudo e não como um ser íntegro, humano e digno de tratamento individualizado e respeitoso – Quem nunca ouviu um obstetra ou uma enfermeira dizendo: “- Mãe, deita, tira a roupa e abre as pernas?” ou “-Mãe, aqui em decide o que deve ser feito sou EU. Você deve apenas obedecer aos protocolos”.
Em muitos casos, o obstetra “usa” a gestante para ensinar aos estudantes como deve ser feito o atendimento no prénatal e “ensina” que a gestante deve ser tratada como “mãe/mãezinha”, ao invés de tratá-la pelo nome. Ensina porque serve de exemplo para o tratamento que é dado. Ensina que a gestante tem o dever de se deitar, de aceitar o exame de toque, de aceitar as intervenções sob pena de ser rechaçada verbalmente, agredida em seus direitos. O indíviduo “médico” tem o PODER SUPREMO, pois ele é a AUTORIDADE naquele local (E como fica o artigo 24 do Código de Ética Médica, em vigor, que prevê que é vedado ao médico exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar?).
Gestantes que negam submeter-se ao exame de toque de rotina, que negam submeter-se a procedimentos de estimulação precoce do trabalho de parto (rompimento de membranas, indução farmacológica, uso de ocitocina endovenoso, dentre outros métodos) são tachadas de irresponsáveis e loucas, sem qualquer respaldo pra isso. Pois de loucas e irresponsáveis, estas mulheres não tem nada. São, aliás, responsáveis e informadas e assumem a posição de “donas” do seu corpo, do seu parto, da sua VIDA.
São discriminadas e sofrem um boicote da instituição médica (obstetras, enfermeiras e atendentes), que não se cansam de criticar e denegrir suas escolhas, disseminando a “negativa” da mulher como um fato ultrajante e que deve ser desestimulado.
Ora, eu pergunto?
A mulher não está apenas exercendo um direito que É seu? Um direito que, aliás, é garantido por lei? Um direito – que de tão importante – foi previsto expressamente nos códigos de ética médica?
O artigo 31 do Código de Ética Médica determina que é direito da gestante “Decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida” e a da Lei n. 10.241/1998, em vigor no Estado de São Paulo, determina que a gestante tem o direito de “Consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados”.
Ou seja, a não ser em caso de iminente perigo de vida (sofrimento intenso, perda de membro ou função vital, que exija tratamento médico imediato), a mulher PODE e DEVE negar qualquer intervenção que seja desnecessária.
Você, gestante, tem o DIREITO de negar o exame de toque de rotina (Se o obstetra (ou enfermeira) quiser mesmo fazer o exame, ele terá que PROVAR que você está correndo iminente perigo de vida, que está com sofrimento intenso, perdeu algum membro ou função vital e que PRECISA imediatamente do exame de toque).
Aliás, é possível ainda cogitar se – no caso de iminente perigo de vida – o exame de toque seria eficaz para o tratamento. Penso, eu, que, ainda assim, o exame de toque seria dispensável, por não exercer nenhum efeito direto sobre o suposto “risco” que a gestante está correndo.
É regra, é lei, deve ser respeitada.
Os médicos e enfermeiras deveriam ser os primeiros a estimular o respeito às mulheres e o cumprimento destes direitos, tendo em vista que eles representam o “elo de ligação” entre a sociedade e o órgão institucional hospitalar.
São eles que fazem a lei em abstrato execer sua função em concreto.
De nada adianta o texto de lei, se este direito não for exercido e respeitado. Aliás, o texto de lei tem sim uma grande utilidade! Sabem qual?
A lei serve de pressuposto, de embasamento legal, para que a gestante que se sentiu desrespeitada exija – administrativamente ou judicialmente – o tratamento digno que a lei lhe garante.
É premissa que toda mulher tem o direito de consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados.
O exame de toque feito a contragosto da mulher respeitou este direito?
A episiotomia (Intervenção cirúrgica que consiste em secionar a mucosa vaginal e os músculos do períneo, a fim de aumentar o orifício da vulva e facilitar a expulsão do feto no momento do parto) feito a despeito da vontade da mulher respeitou este direito?
O rompimento de membranas (bolsa), através da intervenção médica, feito sem o consentimento da mulher, respeitou este direito?
Forçar a mulher a ficar em posição deitada, ou de dicotomia, respeita este direito?
É óbvio que não! Especialmente, nos casos em que não há iminente risco de vida.
Pois bem, o que houve, portanto, foi a transgressão de uma lei, de uma regra.
À não ser que o médico consiga PROVAR que a gestante corria iminente perigo de vida, o procedimento – sem o consentimento da mulher – é totalmente arbitrário e PODE ser questionado, administrativamente e judicialmente.
A gestante tem o direito de ter atendimento digno, atencioso e respeitoso; de ser identificada e tratada pelo seu nome ou sobrenome (e não por termos como mãe, mãezinha, que – não se enganem – não tem nada de carinhoso ou acolhedor); de não ser identificada ou tratada por números, códigos ou de modo genérico, desrespeitoso, ou preconceituoso; de poder identificar as pessoas responsáveis direta ou indiretamente por sua assistência, através de crachás visíveis, legíveis e que contenham nome completo, função, cargo e nome da instituição (a mulher tem o direito – e a meu ver, o dever – de saber o NOME COMPLETO de quem está a atendendo); de receber informações claras, objetivas e compreensíveis sobre diagnóticos realizados, exames solicitados, ações terapêuticas, riscos, benefícios e inconvenientes das medidas diagnósticas e terapêuticas propostas (o médico é obrigado a esclarecer TODAS as dúvidas da gestante e a resposta “aqui quem manda sou eu” é um desrespeito direto a esta regra. Ao esclarecer a gestante o obstetra não está sendo “legalzinho ou fofo”, ele está cumprindo seu dever! Não é um favor, é um dever!).
A mulher que se ver compelida a submeter-se a uma interevenção (exame de toque, rompimento de membranas, episiotomia, etc.) tem o DIREITO de requerer “por escrito o diagnóstico e o tratamento indicado, com a identificação do nome do profissional e o seu número de registro no órgão de regulamentação e controle da profissão”.
Ou seja, você, gestante, pode – e deve – requerer ao seu médico que ele justifique – por escrito – os motivos que tornaram o exame de toque, a episiotomia, o rompimento precoce de membranas “tão necessário”, que não pôde ser dispensado, mesmo a pedido da gestante.
À mulher deve ser assegurada, durante as consultas, internações, procedimentos diagnósticos e terapêuticos, a sua integridade física, a privacidade, a individualidade, o respeito aos seus valores éticos e culturais e a confidencialidade de toda e qualquer informação pessoal e a segurança do procedimento.
A gestante que não quiser servir de “objeto de estudo” dos residentes, pode e deve exercer seu direito, negando o atendimento, e requerendo uma consulta ou trabalho de parto privado, individualizado. Este é o direito no qual nós, que defendemos um tratamento obstétrico mais humano, acreditanos.
É conveniente lembrar que existem decisões judiciais que abordam a responsabilidade do médico por seus atos. A responsabilidade civil do médico resulta do seu dever de reparar os danos causados em seus pacientes, no exercício de sua profissão. O ressarcimento dos danos morais objetiva reparar as humilhações e tristezas advindas da dor sofrida, enquanto a indenização pelos danos estéticos visa compensar as deformidades permanentes e visíveis causadas pelo ato lesivo.
Pergunto: não seria a episiotomia – não consentida – e sem situações em que não há iminente perigo de vida um dado estético que promove deformidade permanente e visível?
O Código Civil Brasileiro prevê:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Esta postagem não tem a intenção de estimular uma chuva de ações de indenização. Pelo contrário, tem a intenção de demonstrar para as mulheres quais são seus direitos e quais são os limites para a atuação do profissional médico. Por que só com o conhecimento e a informação é possível promover uma mudança no atendimento obstétrico atual.
Por todas estas razões, leis, e comentários, é que o Blog Mulheres Empoderadas, em parceria com o Movimento de Apoio à Humanização do Parto em Sorocaba (SP) – MAHPS, reitera que
É PRECISO QUE AS MULHERES BUSQUEM INFORMAÇÃO,
BUSQUEM CONHECER SEUS DIREITOS,
BUSQUEM O EMPODERAMENTO E,
BUSQUEM – ACIMA DE TUDO – O PROTAGONISMO DO SEU PARTO.
A violência contra a mulher não ocorre apenas no âmbito doméstico. Ela acontece – reiteradamente – no âmbito institucional hospitalar.
Enquanto as mulheres, a sociedade, não se mobilizarem a favor do respeito aos direitos que asseguram à mulher gestante e em trabalho de parto tratamento digno, humano e respeitoso, a situação do atendimento obstétrico atual continuará sucumbindo aos anseios e desejos das “autoridades” médicas.
Por Ana Paula Gomes Nardi – MAHPSorocaba
Se você sofreu ou sofre violência obstétrica, preencha a pesquisa
“Teste da Violência Obstétrica – Dia Internacional da Mulher – Blogagem Coletiva”,
que estará disponível de 08 de março até o dia 15 de abril. Trata-se de uma pesquisa informal que tem como objetivo sensibilizar as mídias sociais e outras instâncias para a grave questão da violência obstétrica. Os resultados serão divulgados dia 30/04/2012.
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