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As janelas da Matrix

Por 14 de maio de 2013junho 7th, 2024Um comentário

Quando você quebra um paradigma e peita o sistema, sai da matrix e começa a enxergar além das brumas, é mais ou menos como limpar uma janela empoeirada.

Antes tudo o que você olhava através da janela tinha uma visão turva. Depois de sair de uma matrix, tudo o que você passa a olhar através desta janela terá uma visão tão clara que as vezes lhe ofuscará. Será tão claro que causará dor de cabeça.

Tão claro que será impossível ficar ali apenas olhando.

Algumas pessoas colocarão óculos escuros resolverão seu próprio problema. O fato é que a maioria que limpar a primeira janela, não vai conseguir ficar olhando ali sem fazer nada e nem colocar óculos escuro. Não vai conseguir ficar com a bunda na cadeira.

 Aqueles que ainda não limparam sua janela acharão que você está louco, que não bate bem.

Mas é justamente o contrário. Loucura é achar que o mundo está normal, e está bom assim como está. Está bom pra quem? Pra você? Será que está mesmo? Porque então fumar tanto, gastar tanto, beber tanto, comer tanto, trabalhar tanto?

Há muitas janelas para serem limpas quando tentamos sair da Matrix. A primeira janela que eu limpei (ou melhor, eu quebrei, estilhacei) foi a janela da assistência obstétrica. Eu acreditava, como a grande maioria das mulheres, que o normal é entrar em trabalho de parto, ir pro hospital e ter o bebê em posição de frango assado. NOT. Isso não é normal. O normal no nosso país é tirar o bebê por meio de uma cirurgia asséptica. Eu não gostei do que vi quando quebrei essa janela, e não consegui ficar de óculos escuros. Eu pulei a janela e encontrei uma outra janela. A janela da amamentação prolongada e exclusiva em livre demanda.

Ô janelinha encardida. Não foi fácil limpá-la. Cada vez que eu conseguia limpar uma mancha, aparecia outra mais difícil de tirar. Então resolvi quebrá-la também. E como foi difícil quebrá-la. Janelinha com vidro temperado essa. Precisei de uma boa dose de coragem e petulância para ordenhar leite no meu novo emprego (que diga-se de passagem me pagava 5 digitos e me dava carrão do ano) e EXIGIR que a escolinha desse leite materno no copinho para minha filha quando voltei ao trabalho (ela tinha 7 meses). Mais uma janela quebrada, ventinho entrando pela janela e batendo no rosto… vento que instigava a liberdade. Mas, apesar de ter quebrado essa janela eu me sentia aprisionada e infeliz. E então eu encontrei o motivo de me sentir assim. Eu não via sentido no que eu fazia na minha vida. E eu limpei a janela da minha carreira, da carteira assinada, das metas, do corporativismo. Novamente não consegui lidar com a claridade que me cegava e quebrei e pulei mais essa janela.

 

A Matrix é rodeada de janelas. Você limpa uma janela e não contente tem que quebrá-la. Logo aparece outra janela pra ser limpa. Você também pode colocar um óculos escuro e tentar viver assim, sem ser cegada pela claridade da janela que você  limpou. Mas o fato é que existem infinitas janelas. Eu não sei quantas são, provavelmente nunca saberei.

Mas por que comecei a escrever sobre as janelas?

Porque até aí, eram janelas individuais que diziam respeito às minhas próprias escolhas, necessidades e desejos. Porém, a Matrix é como um espiral. Quanto mais você tenta escapar dela, mais janelas aparecem. Porém são janelas menores, rodeadas de pessoas que chegaram ali antes de você e que também estão ali, tentando limpa-las. As que estão há mais tempo dizem: “Não é possível limpar! Vamos quebrar! Vamos em frente!” E aqueles que acabaram de chegar nesse nível da Matrix insistem em limpar o vidro da janela. Porém quando se aproximam da janela e vêem que nada, nenhum esforço poderá deixá-la limpa e transparente, alimentam-se de um desejo surreal de quebrá-la. É inevitável juntar-se a outras pessoas para que todos possam transpor essa janela. É preciso quebrar mais que a janela. É preciso quebrar toda parede onde esta janela está instalada. Porque são muitas, muitas pessoas para atravessar, para libertar. Essas janelas são as janelas dos direitos coletivos, direitos que dizem respeito à toda uma sociedade.

Estou falando de janelas como a janela da legalização do aborto, da janela do direito civil ao casamento gay, da janela do direito das Obstetrizes prestarem assistência ao parto e nascimento de forma independente e das mulheres serem atendidas por  Obstetrizes. A partir da hora que eu quebrei a primeira janela e penetrei nesse espiral tentando sair da Matrix mãe, não pude mais  ignorá-las.

Janelas tão distantes, inimagináveis para mim, afinal [eu pensava] não me diziam respeito. Cheguei perto da janela do aborto, mas um óculos escuro me bastou por algum tempo. Até que um dia eu entendi que se eu limpasse a janela eu não seria a favor do aborto, mas sim a favor da liberdade de escolha da mulher. A favor de uma assistência mais humana para as meninas e mulheres que decidem abortar. A favor de um menor número de mortes maternas por abortos  inseguros.

Hoje é um dia especial. Duas janelas foram quebradas. A janela do Direito ao casamento civil por  homossexuais. Aliás, não só a janela, mas toda a parede onde ela estava instalada. É um dia para comemorar sim. Um dia onde o DIREITO de querer casar com a pessoa que você ama, independente de seu sexo, foi concedido.

Hoje também é o dia em que o COREN/COFEN ficou proibido de estabelecer por qualquer forma, qualquer espécie de hierarquia, subordinação ou supervisão entre obstetrizes e enfermeiros.

E agora que quebramos essas janelas, quais serão as próximas que encontraremos em nossa frente?

E você? Quais janelas limpou? Quais quebrou? Já se deu conta de que esse espiral para escapar da Matrix pode ser infinito?

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