Parto

Quero um parto normal, mas não tenho apoio do companheiro ou da família.

Por 5 de novembro de 20134 Comentários

gravida sem apoioLutar pelo direito de parir dignamente no país das cesáreas e das intervenções violentas, desnecessárias e que são adotadas como protocolo de rotina nas instituições publicas e privadas Brasil a fora, é apenas o primeiro exercício de autonomia da maternidade que logo você terá que exercer.

Sair do confortável e cômodo papel de filha ou esposa (mulher sensível e que necessita de proteção e que, portanto, precisa que tomem decisão por si) para o papel de si mesma. Mulher madura, forte, decidida, que toma as decisões por si. O papel mais importante de sua vida.  O papel principal. Não o papel de figurante ou coadjuvante. Não  o papel de filha do fulano e da cilcana. Ou o papel de esposa do beltrano. Mas o papel de Fulana de Tal, que desempenha várias funções. Filha, mãe, esposa, profissional. Essa é a sua primeira grande chance de se despir das fantasias e desnudar-se frente à sociedade patriarcal onde a mulher sempre tem o papel secundário, terciário, n-ário.

 Muitas mulheres me escrevem, diariamente, desabafando sobre a vontade de ter um parto normal (muitas após uma ou mais cesáreas) e discorrem sobre a dificuldade de encontrar apoio no companheiro ou na mãe, nos familiares. A grande maioria, conta como conseguiriam num estalar de dedos apoio para agendar a cirurgia de grande porte para extrair seus bebês, ainda em formação, de dentro de seu útero. A grande maioria, conta como são responsabilizadas “se algo acontecer com o bebê”, como se por um infortúnio da natureza, o útero fosse um perigoso calabouço que aprisiona a pobre e indefesa criança. A grande maioria não tem forças para se desvencilhar dessa rede em que ela mesma, ao longo de toda uma vida, se aprisionou. A rede do sistema, para o qual, o controle dos corpos e das mentes, é a mais lucrativa e próspera atividade. A grande maioria não consegue ver que este dilema, é apenas o primeiro de toda uma série de dilemas que esta mulher irá atravessar ao tentar desempenhar o papel de mãe desta criança

Quando uma criança nasce, nasce com ela uma  mãe. Será mesmo? Pois eu aposto que nascem primeiro as avós, as tias, as madrinhas, as tias-vizinhas, tias-amigas e até os pais. E depois a mãe. A mãe é a ultima a ser ouvida, a ultima a ser consultada. A primeira a ser bombardeada. Nem bem chegou em casa (e na maioria das vezes com uma baita cirurgia na barriga), com as dores e limitações do pós cirúrgico, e deve receber para conhecer seu  bebê pessoas que nem ela mesma conhece. Amigos de trabalho do marido, do seu pai, vizinhas e amigas da sua mãe. Todos querem mostrar o bebê. Ninguém se lembra que a mulher, mãe deste bebê precisa de descanso, repouso e paz. Para se recuperar, para maternar. E mesmo que o parto tenha sido normal, sem muitos motivos para recuperar-se fisicamente, essa mulher está (ou deveria estar) mergulhada em seu luto particular, o puerpério. Momento em que ela vai se despedir de seu outro eu, antigo agora morto, para conhecer e se conectar com o seu novo eu.

As pessoas chegam para visitar, e nós sabemos que na melhor das boas intenções, despejam sobre a mulher um bombardeio de mensagens subliminares:

– ô tadinho… está nervoso!

– hum… seu bebê chora muito. Deve estar com fome

– hum… seu bebê está com cólica.

Outras são mais diretas:

– nossa! Vc não deu chupeta ainda? Dê uma chupeta, verá  como seu bebê irá se acalmar

– seu bebê está com fome. Seu leite é fraco. Eu já teria dado mamadeira. Dei pros meus 3 filhos e estão todos fortes e vivos

– Dê o remédio pra cólica. Isso é cólica, vc não sabia?

– Meu filho também arrancou o bico do meu seio. Nunca mais amamentei.

A mulher, fica sem saber o que dizer ou como reagir. A pulga foi colocada atrás de sua orelha, e a partir daí, ela questionará todas as suas ações. O desmame é certo, o método nana-nenê passa a ser colocado em prática, o vínculo mãe-bebê não se forma tão facilmente como poderia se formar. Mãe e bebê sentem-se estranhos um ao outro. E o choro do bebê torna-se cada vez mais intenso, mais forte e mais freqüente trazendo à essa mãe a certeza de que os outros é que estavam certos, e que se ela os tivesse ouvido seu bebê não seria essa criança tão difícil.

Um festival de palpites sem noção, que não ajudam em nada e que impedem essa mulher de desenvolver e exercer a sua própria autonomia no papel que é só dela!

Desenvolvi um pouco a questão de como as pessoas próximas a nós podem destruir, mesmo sem querer, o que idealizamos como lindo e prazeroso no pós-parto para que você entenda a questão do parto ao qual muitas encontram como a primeira dificuldade.

Não é apenas coincidência ou semelhança. Tenho certeza que esse tema daria uma tese. As mesmas afirmações e palpites que recebemos no pós parto para o bebê, recebemos durante a gestação, e conforme o parto se aproxima este fenômeno se intensifica, deixando a mulher mais sensível ainda, mais insegura, mais perdida do  que  nunca.

– Seu bebê vai passar da hora! Agende logo a cesárea!

– Nosso outro filho nasceu de cesárea e está ótimo! Porque você inventou isso agora? Se algo  acontecer com o nosso bebê a “culpa” será toda sua!

– Essa coisa de parto natural é bobagem! Nós não temos mais o estilo de vida de nossas avós que lavavam roupa de cócoras no rio. Hoje em dia a  cesárea é o parto natural.

– Eu não tive dilatação, você também não vai ter. É de família! (aqui pode substituir dilatação por passagem também).

– Xiiii quanto mais você espera, mais o cordão enrola no pescoço  do bebê! Opere logo!

Quantas mensagens do quão  seu corpo é defeituoso e do quão você é uma péssima mãe por estar colocando seus caprichos em primeiro lugar  sem pensar na segurança do seu bebê, não é mesmo?

Eu sei como você se sente. Sim, eu sei. Eu já  passei por  isso… Muitas de nós passamos. Agora esqueça tudo isso e venha aqui que vou te contar uma coisa que aprendi, para que você mude essa situação agora, e não tenha mais que ouvir tanta baboseira.

– Não tenha medo ou vergonha de se impor. Você tem o direito de  se impor. É SUA vida, SUA gravidez, SEU bebê, SEU corpo. Você tem o direito de se impor e ponto. Se você não se impor agora, vai ter que se impor lá na frente e quanto mais você posterga esse momento de tomar pra si a sua própria vida, mais  sofrimento haverá. Quanto mais você deixar as pessoas decidirem por você, mais elas gostarão de fazer isso. Mais elas se sentirão no direito de assim fazer. Mais difícil fica de se tornar dona de sua própria vida. Além do mais as pessoas SEMPRE nos julgarão. Ou você será julgada porque se impôs e é uma mal agradecida, ou porque não se impôs e não tem boca pra nada, é uma tonta como gostam de rotular.

– Um relacionamento é um exercício de autonomia de pessoas que convivem sobre o mesmo teto e que teoricamente tem objetivos em comum. A gestação e a criança que nascerá são objetivos comuns. O parto é o meio. O parto diz respeito ao seu corpo. Ter ou não ter a sua barriga cortada, sua vagina cortada, seu emocional respeitado ou dilacerado neste momento diz respeito a você. É você quem vai sofrer as conseqüências e levar pra o resto de sua vida as boas ou más impressões que o parto *ou não-parto* deixou. Seu companheiro nunca vai passar por isso pra entender, a menos que vocês sejam um casal de mulheres e que sua companheira também decida engravidar no futuro (aliás imagino que deva ser muito mais fácil discutir isso com uma companheira do que com um companheiro!)

– Estatisticamente você opta pela via menos arriscada de ter um filho, quanto opta por um parto normal (menos arriscada para você e para seu bebê). Riscos existem em tudo, até ao atravessar a rua. O que você, como mulher informada, empoderada e responsável por suas próprias decisões pode fazer é escolher o que há de melhor pra você e pro seu bebê. E estatisticamente a melhor escolha é um parto normal com o menor número de intervenções possíveis. Cada intervenção aumenta o risco do processo. Então quando ouvir: você está inventando isso e será culpada se algo acontecer bla bla bla, rebata: Eu estou escolhendo SIM a forma mais segura para nosso filho nascer, conforme mostram as estatísticas e conforme recomenda a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde. E se acontecer alguma coisa, eu não terei culpa alguma. Fatalidades acontecem, até ao atravessarmos uma rua.

Comece agora, enquanto seu bebê ainda está em seu útero, a exercer a autonomia que lhe pertence. Conquiste o seu direito de ter o papel principal na história da sua vida. Isso nunca lhe será dado. Você terá que conquistar. Lutar pelo direito de parir é apenas o primeiro exercício de autonomia da maternidade que logo terá que exercer, e que virá com uma carga muito pesada se você não se impor e se colocar como mãe desta criança desde já.

4 Comentários

  • Lili disse:

    Gisele, muito legal este post!Tem como fazer algum sobre respostas pra estes enxeridos não?rsrsrsrsrsrs…Eu nem gravida estou , mas sempre falo q quando for ter filho quero ter parto natural…Minha sogra falta morrerrrrr de tanto horror…fala q não vou conseguir, q vou implorar por uma cesariana, q a bexiga é a primeira a sair no parto normal (detalhe ela NUNCA teve um parto normal), q vou acabar com meu corpo, etc etc etc…Outro detalhe: n sei aonde ela acha q foi chamada a opinar…rsrsrsrs…

  • Lili disse:

    Oi Gisele!!Não tinha visto…Acabei de ler!!Muito legal!Realmente acontece!Eu sempre tenho cuidado em não visitar nos primeiros dias. Mas confesso que já pedi pra minha amiga pedir pra mãe dela me avisar quando o bebê nascesse..rsrsrs…foi bom pra eu tb me tocar que isto gera ansiedade na mãe – ainda que o dela tenha sido cesariana agendada. Obrigada pelo retorno!!
    Bjos!
    LIli

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